o parafuso da tensão

Sempre me intriga em filmes e seriados quando há alguma alusão a obras literárias. Esse livro estava na minha lista há anos, desde a segunda temporada de Lost, lembram? Quem assistiu a série sabe que era um belo de um prato cheio pra teorias e mais teorias que explicassem os eventos bizarros que ocorriam na ilha. E nisso a série se assemelha muito a obra A Volta do Parafuso.


O livro - uma novela - foi escrito em 1898 por Henry James, um escritor americano naturalizado inglês que escrevia obras realistas. A Volta do Parafuso (ou The Turn of the Screw, título original) é uma história de fantasmas, cheia de mistérios e ambiguidade. A obra começa com uma narradora anônima que escuta Douglas, um de seus amigos, contar a história que fora vivenciada por uma conhecida deste, que a ele confiara o relato por escrito antes de sua morte. Douglas introduz a história dizendo ser aterrorizante, em suas palavras "... algo que excede o comum. Nada que conheço se compara ao caso".

A narrativa começa quando uma jovem mulher é contrata por seu patrão para tomar conta de seus sobrinhos, pelos quais ele ficara responsável após a morte de seus pais. O tio não quer saber das crianças e dá total poder a sua mais nova criada, dizendo que era de sua responsabilidade resolver todos os problemas e não perturbá-lo jamais com qualquer assunto pertinente a sua criação. A menina estava em uma propriedade rural em Essex, a princípio sendo criada pela empregada que trabalhava na propriedade, e o menino estudava em um internato, mas logo se juntaria as duas durante as suas férias. A jovem ficou apreensiva de primeira, mas como seu patrão não pagava nada mal, ela topou o desafio. E não era só o salário, nos dois encontros que havia tido com o seu empregador ela tinha desenvolvido uma paixonite pelo cara, aceitando também o emprego na esperança de impressioná-lo e quem saber voltar a vê-lo (sabe de nada inocente).

Ao chegar a sua mais nova morada, a governante cai de amores pela menina que se chama Flora e tem 8 anos (parece que a idade das crianças foi modificada ao longo dos anos pelo autor nas inúmeras versões da novela). Ela descreve a menina como sendo de uma doçura e beleza incríveis, sentindo a princípio que havia feito a escolha certa ao se tornar responsável pela criação e educação de uma criança tão formidável. Depois vem a conhecer o garoto, Miles, que percebe ser tão bondoso e formidável quando sua irmã mais nova. Além da paixão que ela vai desenvolvendo pelas crianças, a governanta também encontra na Sra. Grose, a empregada da casa, uma figura amiga a quem ela podia recorrer, já que ela estava completamente sozinha na tarefa de cuidar dos garotos.

Chega a ser bizarro o quando ela adora essas crianças e quantos adjetivos ela acha para descreve-las. Em uma passagem, ela conta que recebe algumas notícias não muito agradáveis de casa, mas frente aos rostinhos lindos e simpáticos de seus pupilos, ela nem dá bola e prefere se distrair com o trabalho de ensinar e proteger suas crianças. Praticamente uma workaholic do século XIX.

Tudo está lindo e maravilhoso, como na terra dos unicórnios e dos algodões-doces, até que a pessoa se depara com um ser que ela nunca tinha visto antes na propriedade em que residiam. Um cara bonito, com roupas que não pareciam ser dele, sem chapéu, andando em cima de uma das torres, pra lá e pra cá, que do mesmo jeito que apareceu, também desapareceu. Primeiro ela acha se tratar de um invasor bem cara-de-pau, mas ela constata que estranhamente ninguém mais além dela viu alguém estranho perambulando pela área. Após a segunda vez em que vê o homem, dessa vez bem mais próximo, a governanta realmente fica preocupada. Ao contar o acontecido a Sra. Grose, a mulher quase teve um treco e disse que a descrição que a governanta apresentou do rapaz era a de Peter Quilt, um jovem bem sacaninha que trabalhava na propriedade e havia falecido alguns meses antes de sua chegada. O que é pior: um invasor de carne e osso ou um fantasma? Você decide.


A jovem guardiã decide então que é seu papel principal proteger as crianças de tal mal, vigiando-os por todos os segundo afim de garantir que o fantasma não chegaria perto delas. Mas para sua decepção, aparentemente já era tarde demais. Em uma tarde quando ela estava no beira do lago com a pequena Flora, a governanta avistou do outro lado do lago uma aparição, e dessa vez não era a de um homem, mas sim de uma mulher com vestes negras. Quando ela olha pra Flora pra se certificar se ela via ou não o fantasma ali presente, ela percebe que do nada a menina cessou todo o barulho que estava fazendo e começou a brincar com um pedaço de maneira, que na opinião de sua babá de luxo era uma tentativa de distraí-la para que ela não percebesse a presença da fantasma ou não percebesse que ela sabia que havia lá uma figura fantasmagórica. Mais tarde, conversando mais uma vez com a Sra. Grose, a jovem descobre que o fantasma novo é a antiga governanta, a Srta. Jessel, que morreu do nada de causas não explicadas.

Pronto, instaurou-se ai a loucura completa. A governanta então encasqueta que as crianças veem os fantasmas com frequência e escondem dela esse fato. E sobra pra quem? Pra coitada da Sra. Grose, que serve de muro das lamentações pra pobre da governanta, que se vê mais perdida que o Batman no filme do Superman em Dia de Ação de Graças. Porque isso não só implica a existência de seres sobrenaturais com intenções macabras, mas também que seus anjinhos não são tão inocentes quanto aparentam ser.

A questão central do livro é: será mesmo que os fantasmas existem e as crianças estão mancomunadas com eles, ou será que a governanta pirou de vez? Essa é a beleza da ambiguidade dessa obra, que a todo momento alimenta o leitor com fatos que corroboram para ambas as hipóteses. A favor da sanidade da jovem garota, temos o fato de que ela descreveu perfeitamente o casal (sim, além de tudo eles eram em vida um casal) ao ponto da Sr. Grose reconhecê-los de imediatos, mas talvez ela tivesse um outro jeito de ter chegado a informação sobre as suas características físicas. Do lado da loucura da mulher, temos o fato de que somente ela enxerga os fantasmas, mas até ai outras pessoas podem te-los visto, mas ficaram quietinhas em nome da própria sanidade.

E aí você me pergunta: o que diabos um parafuso, ou a sua volta, tem a ver com essa história toda? A volta do parafuso é uma metáfora, é o parafuso da tensão que a cada nova volta age sobre as camadas mais profundas, revelando nuances antes encobertas pelas camadas superficiais. Viajem, né? Mas é exatamente isso que acontece ao longo da história, o parafuso vai sendo apertado, trazendo a tona fatos antes escondidos pela superfície da aparente realidade.

O estilo da escrita muito se assemelha a de escritores realistas da língua portuguesa, como Machado de Assis e Eça de Queiroz. Inclusive, o recurso introdutório e o tipo de narrativa utilizados por James é bem similar ao utilizado por Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas. Na obra inglesa, o fato do relato ser contado por alguém que conheceu pessoalmente a protagonista da história confere a narrativa uma certa credibilidade, que leva o leitor a crer mais na veracidade dos fatos relatados (por mais que a coisa toda não passe de ficção, é apenas um recurso literário para envolver o leitor na estória). Essa é a mesma função da introdução de Memórias Póstumas, onde o próprio Brás Cubas vem contar a sua história depois de morto, garantindo ao leitor que o relato é extremamente fidedigno, uma vez que ele já está morto e não teria razões para inventar ou mentir (o que ao longo da história você percebe que não é bem assim).

Eu comprei esse livro em uma das minhas últimas compras na Estante Virtual. A versão que eu tenho é da Coleção Obra-Prima de Cada Autor, que tem um nome bem auto-explicativo e traz a principal obra de cada autor relevante para a humanidade (mentira, tem autor que tem umas 3 obras nessa coleção). O que eu achei bem legal é que no começo do livro tem uma introduçãozinha que conta um pouco sobre a história do livro. Não do livro em questão, mas do livro como meio de transmissão de conhecimento e cultura. O texto conta desde o surgimento da imprensa e do formado que hoje conhecemos como livro, até os acontecimentos mais recentes que tem influenciado na forma como consumimos esse tipo de publicação.



Voltando agora ao Lost. Essa é uma das poucas séries que eu posso dizer com certeza que vi cada um dos episódios, de todas as 6 temporadas, era um vício! E foi lá que eu ouvir falar sobre A Volta (já estou íntima). Pra quem não assistiu a série, vai aqui um briefing bem rápido: avião cai numa ilha aparentemente assombrada e os sobreviventes tem que achar um jeito de voltar pra casa. No episódio Orientation da segunda temporada, Desmond fala pra que Jack e Locke olhem em uma prateleira na estação Swan, que atrás do livro A Volta do Parafuso estará o vídeo de orientação. E todo bom fã de Lost sabe que nada é mera coincidência, tudo tem um sentido e propósito na série.

Primeiro que a principal dúvida da série era se os sobreviventes do acidente de avião tinham de fato sobrevivido ou se era só mais uma história de fantasmas. Coincidência com o livro? Acho que não! Segundo que o livro já foi adaptado para o cinema sob o título de The Others, mesma nomenclatura que os personagem que caíram na ilha davam as pessoas estranhas que eles viam mata a dentro e que pareciam assombrações. Além disso, Os Outros na série gostavam de roubar o que? Crianças! Bem parecidinho com o casalzinho de fantasmas da obra de James. E além disso, nas últimas temporadas um novo personagem é integrado a trama, que atende pelo nome de Miles. E o que é que o Miles vê? Fantasmas! Bem similar ao seu xará aí do livro. Eu poderia continuar essa lista a noite inteira, mas por piedade de quem lê, acho que já dei uma quantidade suficiente de exemplos de paralelos entre a obra de 1898 e a série de 2004.

Pra encerrar, deixo aqui com nostalgia um pouquinho de um dos grandes motivadores da minha obsessão pela série... #saudadesdoSawyer #voltaSawyer #invejadaKate

Sawyer bom moço com sorriso angelical...


Sawyer mau, bem mau...


Sawyer apaixonado...


Sawyer pura sedução...



E o meu preferido, Sawyer leitor S2




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