breakfast at the book store

Sexta-feira a noite pós jogo da copa e o namorado dormindo, nada melhor do que aproveitar o momento pra assistir a um filme bem mulherzinha. Dei uma olhada no Netflix e decidi assistir a algum clássico que ainda não tinha visto. O escolhido da noite foi Bonequinha de Luxo, produção de 1961 estrelado pela diva Audrey Hepburn e dirigido por Blake Edwards. 


Começo dizendo que prefiro mil vezes o título em inglês, que é Breakfast At Tifanny's. Holly Golightly, a personagem de Audrey, começa o filme descendo de um táxi em frente a uma loja da joalheria Tiffany's com um copo de café e um pão doce nas mãos, olhando distraidamente a vitrine enquanto saboreia seu café da manhã tipicamente novaiorquino. Mais tarde ela contaria a Paul, o vizinho boa pinta, que ela adorava ir até a Tifanny's tomar seu café da manhã depois de uma noitada porque aquele era pra ela um lugar mágico, onde nada de ruim poderia acontecer.


Holly é uma garota sonhadora que espera se dar bem em Nova York. Ela adora joias, festas e a vida badalada da big apple. Acontece que Holly não tem grana e pra sobreviver conta com o dinheiro que os homens com quem ela sai pagam pra ela. Não é exatamente um esquema de prostituição, mas Holly sempre deixa claro que sai com os caras pelo seu dinheiro. Ela até mesmo tem a lista dos 50 homens mais ricos dos Estados Unidos na ponta da língua e não mede esforços pra tentar achar o seu rico príncipe encantado. Mas Holly não é uma simples gold-digger, ela é fofa e encantadora, impossível não se apaixonar por ela. Ela mora em um apartamento zoneado, tem um gato sem nome e sonha com o dia em que seu irmão Fred voltará da guerra.

A trama começa quando Paul Varjak, um promissor escritor, muda-se para o prédio de Holly. Os dois ficam próximos de cara e se tornam grandes amigos (com segundas intenções, é claro). Acontece que Paul também não tem onde cair morto e além de escrever faz bico como gigolô. Paul não é muito diferente de Holly, ele não escreve a alguns anos e pra se manter conta com a grana de uma "benfeitora" que em troca exige que o bonitão compareça quando seu marido está viajando.



O desenrolar da história é bem previsível. Paul se apaixona por Holly mas sabe que não tem a menor chance com a garota, e sofre vendo pretendente rico após pretendente rico entrando e saindo da vida da aspirante a socialite. Paul serve de ombro amigo e está sempre lá, esperando pra resgatar Holly de seus problemas. E não é só a questão da grana, Holly só se aproxima de homens pelo seu dinheiro porque não acredita no amor. Na sua visão, o amor aprisiona e ela se considera uma criatura selvagem e livre, que não pode ser colocada numa jaula.

***

    - I'd marry you for your money in a minute. Would you marry me for my money?
    - In a minute.
    - I guess it's pretty lucky neither of us is rich, huh?
    - Yeah.

***

Além de tudo, Holly também tem um passado que ela tenta esquecer. Esse passado inclui um ex-marido caipirão, alguns enteados e seu nome real, Lula Mae. Ela deixou seu passado para trás depois que foi pra Nova York, mas quando Paul descobre sua história, ela em nenhum momento a nega ou sente vergonha pela pessoa que foi um dia, apenas diz que já não é mais aquela menina e que não pode mais voltar pra sua vidinha do interior. Nas palavras do homem que a descobriu, Holly é uma farsa, mas uma farsa verdadeira. Ela é uma garota perdida e sem rumo, tentando se encontrar em meio a loucura de sua vida. Ela não finge ter dinheiro e ser alguém que não é, apenas busca mudar o seu destino com a sua autenticidade e delicadeza. Holly é espontânea e tem uma certa ingenuidade que cativa todos a sua volta.


É divertido assistir a um filme gravado a mais de 50 anos atrás. Primeiramente, a moda. Os penteados, as roupas... Os anos 60 foram definitivamente a década da elegância, principalmente quando falamos de Nova York. Não é a toa que os looks das personagem de Audrey são referência em Hollywood e ícones de seu tempo.


Há também claras diferenças culturais entre a época do filme e os dias de hoje. Eu quase tive que parar o filme pra fumar um cigarro, como eles fumam! Acordam fumando, dormem fumando, comem fumando, fumam na biblioteca, nas ruas, nos restaurantes, na delegacia. Uma das fotos mais famosas do filme é a de Audrey em seu tubinho preto, colar de pedras, luvas negras e uma piteira gigantesca em uma das mãos. Cigarro era sinônimo de estilo e status nos anos 60, enquanto hoje raramente aparece um cenas de filmes.


E o dinheiro? Ah como o dinheiro valia mais. Em uma das cenas, Holly fala sobre como anota todas as suas despesas em um bloco de notas, e cita a quantia que gastou em comida de gato: $0,27. Na cena em que Holly e Paul vão até a Tifanny's, Paul pergunta ao vendedor se ele teria algum item que ele pudesse dar de presente a Holly que custasse menos de $10. O vendedor afirma que a loja não tem muitos produtos por aquele valor, mas oferece a Paul um discador de telefone de prata que custa $6,75. Prata gente, PRATA! Hoje em dia com R$10 tá difícil até de encontrar um brinco no camelô.

Uma das minhas partes preferidas do filme é quando Holly e Paul decidem passar o dia inteiro fazendo coisas que os dois nunca haviam feito antes. É nesse momento que Holly mostra a Paul o interior da loja Tifanny's, onde ele ainda não havia estado. Em troca, Paul a leva a biblioteca e mostra a ela o exemplar de seu único livro que está disponível para consulta. A minha geração ainda foi obrigada a ir a bibliotecas na infância em busca de conteúdo pra trabalhos escolares, mas a geração seguinte provavelmente nunca teve que pisar em uma com o advento da internet e as maravilhas do Google. Ao chegar a biblioteca, há várias gavetinhas minúsculas com os nomes dos autores. Paul vai até a gaveta com o seu nome, a retira e leva até a bibliotecária para que essa pegue o exemplar para ele. Que nostalgia essa cena me deu.


Ver o filme me fez entender a sua relevância na história do cinema. Aquela era uma época em que a liberdade feminina estava começando a existir de fato. Holly vivia sozinha, andava pelas ruas desacompanhada, bebia, fumava, saia com quem bem entendesse, e isso na época ainda era novidade. Essa personagem era um retrato dessas mudanças e da nova mulher moderna. Sam Wasson escreveu Fifth Avenue, 5 A.M., um livro sobre os bastidores da produção, analisando seus elementos de uma perspectiva histórico-social. Não preciso nem dizer que já foi pra minha lista de desejos né.



Terminei o filme apaixonada por Holly, por Paul, pela Nova York dos anos 60 e, sobre tudo, pela história. Prostituição a parte, me identifico muito com a protagonista e com a sua busca pelo seu lugar ao sol. Se ainda é difícil ser uma mulher independente nos dias de hoje, posso só imaginar como devia ser a mais de 50 anos atrás.

Entendo perfeitamente quando Holly fala sobre a sua sensação ao tomar café da manhã em frente a Tifanny's, acho que ela devia sentir o mesmo que eu sinto quando estou em uma livraria, como se ali todo momento fosse perfeito e nada de ruim pudesse acontecer. Da próxima vez que for a uma livraria, vou levar junto comigo o meu café da manhã, breakfast at the book store.


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