o machismo só faz vítimas

Homem não chora, não fala de seus sentimentos, não é carinhoso e nem delicado. Homem que é homem engole o choro, passa cantada de pedreiro na rua, cospe no chão e gosta de futebol. Homem não usa saia, não usa maquiagem, não liga pra saúde. Homem mesmo, aquele homem de verdade, é violento, é viril, é macho com M maiúsculo... Assim é visto o homem na nossa sociedade. Quem disse que o machismo afeta somente as mulheres? A imposição desse modelo de macho alfa também pode oprimir a ala masculina, já pensaram nisso?


Nós mulheres já somos conhecidas vítimas da nossa sociedade machista, e ao contrário do que muito desinformado por aí pensa, o feminismo não é um movimento a favor da superioridade feminina, mas da igualdade de papéis. A tempos que nós mulheres lutamos pelos nosso direitos e por um lugar ao sol ao lado dos homens, e não atrás de suas sombras. A nossa luta já é velha conhecida, afinal de contas nós somos o sexo oprimido pelo machismo e pela cultura que inferioriza a mulher e o seu papel na sociedade. Mas pra que o nosso objetivo seja um dia alcançado, os nossos papéis tem que ser de fato semelhantes ao do sexo oposto, e isso significa que também temos que mudar o olhar frente àquilo que consideramos modelo de homem. 

O machismo também oprime o homem, delineando um estereótipo extremamente restrito do que um exemplar masculino deve ser e de como deve se portar. Na nossa sociedade, um homem dizer que ama um outro amigo também homem não é bem aceito, assim como não é aceito o menino que gosta de usar os sapatos da mãe quando criança, ou o marido que escolhe ficar em casa cuidando dos filhos enquanto a esposa trabalha fora. Se um homem é romântico ou carinhoso em demasia, logo se desconfia de sua orientação sexual. Se um homem usa rosa, se ele não curte jogar bola, se abraça um colega, se rejeita sexo casual, se falha na hora H... Tudo isso é motivo pra que o homem em questão seja excluído da categoria "macho de verdade".

Uns tempos atrás vi no Hypeness uma série de fotografias de homens que foram abusados sexualmente segurando placas com as frases que ouviram de seus estupradores momentos antes do crime. Duas das fotos me chamar a atenção: uma era de um garoto com o cartaz que dizia "você não pode dizer não pra uma garota como eu" e a outra mostrava só a placa com a frase "homens não podem ser estuprados". Isso é um claro reflexo desse machismo que se perpetua continuamente em nossa cultura, que diz que homens não podem negar sexo e que não são passíveis de abuso sexual. Da mesma maneira que nós mulheres somos donas do nosso corpo, eles também são, e nenhum ser humano de gênero algum deveria ser obrigado a fazer com seu corpo algo que não deseja. E homens são sim passíveis de abuso sexual, e não são só vítimas de outros homens, mas também de mulheres.



Outro vídeo que também estava circulando a internet algumas semanas atrás mostrava duas versões de uma briga de casal em público. Na primeira versão da briga, o homem gritava com a mulher, pegava-a pelo braço e apertava seu rosto enquanto discutiam. As pessoas que estavam em volta claramente mostraram reprovação, e assim que a briga ficou mais física, algumas pessoas interviram, dizendo que chamariam a polícia caso o cara tocasse a moça novamente. Na segunda versão a agressora dessa vez é a mulher, que grita, aperta, soca e estapeia o homem repetidamente. Sabe qual foi a reação das pessoas? Risos contidos, apenas isso. Porque pra nossa sociedade, homem que é homem não apanha, não choraminga e não pede ajuda. Homem que é homem não é vítima, é opressor.


Eu acho que a linha de raciocínio da maioria das pessoas é: homens são mais fortes fisicamente, portanto não podem ser vítimas de um ser que é fisicamente inferior. Tá, agora mulheres, pensem em todo tipo de violência psicológica e verbal que vocês já sofreram na vida (que não requer um músculo se quer pra ser deferida), dá pra realmente achar que um homem não pode ser uma vítima disso? Dá pra realmente achar que um homem tem que ser sempre forte e que não deve se sentir abusado pela violência que vem de uma mulher? Não dá. Violência é violência, seja contra quem for.

De todas as coisas que não são socialmente aceitas quando feitas por um homem, creio que a pior delas seja não poder se abrir sobre os seus sentimentos. Não há nada mais catártico do que botar pra fora tudo aquilo que está entalado na gargando numa conversa com uma amiga, pelo menos nós mulheres temos esse privilégio. Já os homens não, a eles é imposto uma fachada séria e inabalável, onde nada é dito e tudo é guardado no fundo da alma. E o pior é que isso impaca o auto-conhecimento, porque não há meio de entender o que se passa dentro da gente sem trazer pra fora essa experiência através da conversa.

Hoje, em meio as minhas fuçadas internet a fora, me deparei com uma matéria no Catraca Livre sobre um movimento chamado Homens Libertem-Se!, uma campanha que vem pra questionar os valores de diferença de gênero na nossa sociedade, promovendo igualdade de fato entre os sexos. Abaixo um pouco sobre o movimento:


Homens Libertem-se/Men Get Free é uma campanha artística e social proposta em parceria entre o coletivo mo[vi]mento-MG/RJ e o histórico e polêmico grupo The Living Theatre, de Nova Iorque, que vem crescendo consideravelmente com o auxílio de inúmeros voluntários e conta com parcerias como o músico Paulinho Moska, os cartunistas Laerte e Miguel Paiva, os atores Lucio Mauro Filho, Marcos Breda, Larissa Bracher, Flávia Monteiro, Igor Rickli, Aline Wirley, Álamo Facó, Nico Puig, Marcos Damigo, o escritor e produtor Nelson Motta, a escritora Elisa Lucinda, a escritora e apresentadora Marcia Tiburi, a escritora e historiadora Mary Del Priore, o deputado Marcelo Freixo , entre inúmeros outros grupos, artistas e profissionais de várias partes do país. O projeto pretende ser um chamado à reflexão em torno das muitas formas pelas quais o machismo prejudica também os homens, independente de sua sexualidade, devido às dimensões da construção social do homem na contemporaneidade, que os incita a se encaixarem num modelo de homem fixo e restritivo. Estas restrições geram uma opressão pouco discutida por ser mais velada, aceita e naturalizada, mesmo após as inúmeras reflexões do último século em torno dos direitos humanos. Acreditamos ser possível estimular os homens a refletirem sobre a opressão de um modo geral ao se depararem consigo mesmos como oprimidos pelo sistema patriarcal universalmente sustentado em que vivemos e que prejudica a todos indiscriminadamente. Esperamos que essa reflexão se reflita em negação de algumas das formas rígidas do machismo, questionando o rótulo “seja homem!” e também que possa, a longo prazo, auxiliar na diminuição da violência.

Ontem foi o Dia do Homem que comemoramos todo dia 15 de julho aqui no Brasil. Esse dia foi criado com a intenção de promover saúde na ala masculina, porque afinal de contas até mesmo um simples exame de próstata é tabu para os machões. E por isso eu desejo nessa data a todos os homens um mundo mais tolerante, onde hajam menos homens e mulheres e mais seres humanos, livres pra vivenciar a sua subjetividade como ela realmente é.


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